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quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

O BRASIL VISTO POR UM NORDESTINO : SECA NO NORDESTE, GOLPE DE 64, SONHOS, DESILUSÕES E ESPERANÇAS.

O TEXTO ABAIXO FOI EXTRAIDO DE UMA ENTREVISTA REALIZADA POR ADRIANO BARONI DIAS, ESTUDANTE DE HISTÓRIA JUNTO A UM SENHOR DE 72 ANOS,BRASILEIRO COMO VOCÊ E EU, UM VERDADEIRO TESTEMUNHO DE COMO ESTAMOS ENVOLVIDOS DIRETAMENTE OU NÃO COM AS MUDANÇAS A NOSSA VOLTA, BOA LEITURA A TODOS.



            O presente trabalho tem por objetivo construir uma narrativa histórica do senhor Durval que hoje está com 72 anos de idade, morador do bairro de São Mateus. Nordestino, nascido em Alagoas, enfrentou as dificuldades que o nordeste impusera há muitos durante seus períodos mais severos de seca. 
            A única fonte que utilizarei para esta construção narrativa será uma entrevista realizada no dia vinte e três de outubro de dois mil e onze. A história de vida deste não é a de uma figura emblemática, não foi líder de nenhum partido político e nem foi um militar ou grande empresário. As decisões que este tomara na vida, afetou somente a sua família e a sua própria vida. No entanto, ela revela curiosidades durante períodos históricos, numa visão de baixo pra cima, que ajuda a entender como que a população paulista vivia durante as crises políticas e econômicas que o Brasil viveu no século XX.   


 Bom, eu tenho 72 anos né, nasci em Palmeira dos Índios, aos 20 de junho de 1.939. Tive uma vida infantil,não das melhores. Só nunca passei fome,mas necessidade já passei. 

Minha família, somos em 7. Minha mãe teve 17 filhos, mas morreram 10 né. E, criamos em 7. Até hoje, hoje somos 6, uma morreu recentemente. (silêncio)
 


[...] E só nunca passei fome, porque meu pai sempre foi um homem trabalhador, nunca deixou faltar nada pra família, agora necessidade já passei. Mesmo quando criança, teve época,praticamente época de seca que lá...hoje melhorou bastante o clima, mas antes era seca ano após ano. Nessas época a gente passava privação de muitas coisa.


A migração para São Paulo



E fiquei no nordeste, lá em Palmeira dos Índios até os 20 anos, ai vim aqui pra São Paulo né. Vim aqui e levei uma vida mais ou menos.
Olha, a maioria veio mais por necessidade, porque sabe a vida de lá sempre foi difícil né. A vida lá sempre foi difícil. E os mais velhos foram saindo pra  procura de melhora  e os demais,como quase todas as famílias que aconteceram , que aconteceu isso ai de migrar pra São Paulo ou qualquer outro local do Brasil, o problema sempre foi esse ai né, muita dificuldade, no nordeste todos caiam fora de lá né.




 
No começo foi muito difícil né, mas no mesmo ano meus pais já vieram pra cá, meu outro irmão foi buscar . Eu já estava trabalhando, ai já tava mais ou menos em condições de cuidar dos velhos né e continuei trabalhando enquanto eles estavam vivos, eu, meus irmãos tomávamos conta deles, mas a maioria fazia eu, que era solteiro, depois casei mas continuei ajudando aos velhos né, ao meus velhos. E a vida nunca foi fácil, teve uma época que eu já tava mais estabilizado aqui em São Paulo, trabalhava numa firma boa.


A Ditadura vista de baixo pra cima

  Olha o período da Ditadura foi de 1964, e eu era solteiro quando começou a Ditadura, e pra mim não afetou em nada, nunca fui político, nunca discuti com ninguém sobre política, e se alguém vinha discutir qualquer coisa comigo eu sempre fui esperto, via o que acontecia com os outros por causa da língua, então eu sou esperto se um cara vinha pra mim dizer qualquer coisa   "mas você vê essa política como é que esta" eu falava pra  ele, não, pra mim está tudo bem, não mexendo comigo, o barco pode correr solto. Sempre respondia assim pra turma, mas sei que foi difícil, pra muita gente sei que foi difícil. É mas mais pra aqueles que eram metidos em  política, que vão se meter com problema dos outros, pra essas pessoas pesou mais.

  Eu via todo dia notícias em jornais, rádios e televisão de gentes e mais gentes sendo presas, morta na ruas, enfim, uma bagunça danada. E pra mim aquilo lá não cabia a mim, sempre fui dessa maneira, nunca participei de uma       greve, nunca mesmo. Baderna comigo nunca teve chance, então pra mim posso dizer, nunca fui  perturbado por ninguém.



 
O casamento

  Fiquei apenas 4 anos solteiro em São Paulo né. E encontrei a Dona Salete e logo nos casamos. Um ano só de noivado, já nos casamos. Só pra você ter uma ideia, quando eu tava com quatro  anos aqui em São Paulo, eu casei e já fui morar na minha casa ne, não paguei , nunca paguei aluguel.Tive boas chances quando, quando fui mais novo, em São Paulo tinha outros tipos        de vantagens pra gente, hoje já não tem mais vantagem, que naquele tempo era, a facilidade era melhor , eu peguei uma época boa né, comprava-se um terreno fácil, é construir...naquele tempo ninguém tinha o luxo de construir um casarão. 




Por exemplo, eu    fui casar...quando eu casei, eu fui morar num cômodo e cozinha, mas era meu.(exaltou a voz)Não tinha água, não tinha luz, não tinha asfalto na rua, também tinha por outro lado suas vantagens,            nem muro tinha a casa, tinha só aquela cerquinha de ripa, um   portãozinho lá, entrava quem queria entrar, mas tava sossegado. A mulher lavava a roupa, pendurava no varal e ali ficava a noite inteira, ninguém entrava lá pra mexer em nada né, vai fazer isso hoje né.
                                  




O Retorno ao nordeste

 Não eu fui trabalhar com um negócio , quando eu sai daqui já tinha deixado um negócio pronto, comprado lá no nordeste, através de ... tinha ido lá a pouco tempo, eu, a mulher e as crianças, eu já tinha deixado mais ou menos encaminhado. Depois de poucos meses eu vendi o que tinha aqui, vendi não, joguei fora né (tom de ironia), o cara quando não pensa, não  pensa nas consequências que vão "vim" depois, meio difícil.
Ai fiquei lá um ano e meio, o negócio não deu certo, aquelas vantagens que eu tinha ouvido antes, era tudo  fachada né, só pra a turma ir atrás de um ... pegar o meu  dinheiro né, sabia que eu tava mais ou menos bem aqui e    alguns parentes gananciosos você já viu né?!Os próprios parentes né, os parentes não , um só praticamente né, que os outros, eu não posso culpar ninguém né. Alias de forma nenhuma, eu não posso culpar ninguém, o culpado fui eu, caí na besteira de largar o que tinha aqui e me aventurar lá novamente né. Se já vim de lá porque não era bom,porque que eu fui voltar?!




Voltando para São Paulo



 Quando eu voltei já não foi mais igual a primeira vez, já não tive tanta oportunidade como  tive a primeira vez que cheguei , cheguei a ter muita facilidade de conseguir arrumar as coisas, na segunda vez  já não foi assim, parece que já tinha fechado uma porta. Por exemplo, não consegui mais ... a primeira vez, eu consegui, consegui uma boa casa, que eu tinha uma casa até boa, o meu carro, consegui até mais...assim, viver uma vida de...média né?
E quando voltei a segunda vez ai já, as coisas não foi assim tão fácil. Praticamente o que eu ganhei aqui em São Paulo, na primeira etapa, na segunda no meio do caminho gastei tudo, foi quando voltei pra lá e voltei quase sem nada.

            Mas o que marcaria não só a vida do senhor Durval nesse período, mas a de toda a sua família, no resto de suas vidas, seria um inesperado e trágico acontecimento, a morte de sua mãe.



  Olha minha mãe, é uma coisa que eu não gosto de  comentar sobre a morte dela, não sei se você já sabe a história. Minha morreu eu era zelador em um prédio em Moema, levei ela lá pra casa, que ela andava meio já , noventa anos já, caducando, como se chama. Ficava um dia na casa de um filho, um dia no outro. Ela tinha a casinha dela lá, mas não dava mais pra viver sozinha , vivia na companhia da minha irmã que faleceu também, mas mesmo assim não tinha mais condições e resolveram , nós resolvemos que ela ficasse uma semana na casa de um, uma semana na casa de outro e assim calhou, que infelizmente, justamente , eu levei ela pra minha casa   numa sexta-feira  pra Moema, ela tava ruim mesmo, não dizia coisa com coisa, via coisa, via coisas estranhas e no sábado seguinte, um descuido lá na hora do café, um descuido, ela subiu na área, subiu no telhado e caiu do prédio (pausa), uma coisa, muito, muito triste.


 São muitos momentos, as vezes pra você é marcante, pra outras pessoas não é. Um dos momentos mais marcantes e que me marcou foi a morte da minha mãe.Foi um momento dificílimo. Porque além do acontecimento, eu adorava a minha mãe e ela gostava de mim, e isso até causava ciúmes nos outros irmãos, porque eu era o mais novo né, eu era o caçula da família. E de ter acontecido aquilo e ainda, ouvir da boca de alguém, ouvir de alguém bem próximo a você dizer assim, que aconteceu porque eu não tomei conta da "véia". (Silêncio)
E isso foi duro viu. (mais silêncio) Não há de ser nada não, né. Tudo passa. Agora esse problema nunca se apagará da memória não, por isso eu nem gosto de comentar.

DURVAL AURELIANO DA SILVA, NORDESTINO, VIÚVO, PAI DE TRÊS FILHOS,3 NETOS E 1 BISNETO É UM DOS MUITOS BRASILEIROS QUE AJUDARAM A CONSTRUIR ESTE PAÍS.SUA HISTÓRIA É UM TRIBUTO A TODOS QUE COM SEUS SONHOS,ILUSÕES E DESILUSÕES NOS ENSINAM O VALOR DA MUDANÇAS EM NOSSAS VIDAS. 


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