O TEXTO ABAIXO FOI EXTRAIDO DE UMA ENTREVISTA REALIZADA POR ADRIANO BARONI DIAS, ESTUDANTE DE HISTÓRIA JUNTO A UM SENHOR DE 72 ANOS,BRASILEIRO COMO VOCÊ E EU, UM VERDADEIRO TESTEMUNHO DE COMO ESTAMOS ENVOLVIDOS DIRETAMENTE OU NÃO COM AS MUDANÇAS A NOSSA VOLTA, BOA LEITURA A TODOS.
O
presente trabalho tem por objetivo construir uma narrativa histórica do senhor
Durval que hoje está com 72 anos de idade, morador do bairro de São Mateus.
Nordestino, nascido em Alagoas, enfrentou as dificuldades que o nordeste
impusera há muitos durante seus períodos mais severos de seca.
A
única fonte que utilizarei para esta construção narrativa será uma entrevista
realizada no dia vinte e três de outubro de dois mil e onze. A história de vida
deste não é a de uma figura emblemática, não foi líder de nenhum partido
político e nem foi um militar ou grande empresário. As decisões que este tomara
na vida, afetou somente a sua família e a sua própria vida. No entanto, ela
revela curiosidades durante períodos históricos, numa visão de baixo pra cima,
que ajuda a entender como que a população paulista vivia durante as crises
políticas e econômicas que o Brasil viveu no século XX.
Bom, eu tenho 72 anos né, nasci em
Palmeira dos Índios,
aos 20 de junho de 1.939. Tive uma vida infantil,não das melhores.
Só nunca passei fome,mas necessidade já
passei.
Minha família, somos em
7. Minha mãe teve 17 filhos, mas morreram
10 né. E, criamos em 7. Até hoje, hoje somos 6, uma morreu
recentemente. (silêncio)
[...]
E só nunca passei fome, porque meu pai
sempre foi um homem trabalhador, nunca deixou
faltar nada pra família, agora necessidade
já passei. Mesmo quando criança, teve época,praticamente
época de seca que lá...hoje melhorou bastante o clima, mas antes era seca
ano após ano. Nessas época a gente passava privação de
muitas coisa.
A
migração para São Paulo
E fiquei no nordeste, lá em Palmeira dos
Índios até os 20 anos, ai vim
aqui pra São Paulo né. Vim aqui e levei uma vida mais ou menos.
Olha, a maioria veio mais por
necessidade, porque sabe a vida
de lá sempre foi difícil né. A vida lá sempre foi difícil. E os mais velhos
foram saindo pra procura de melhora e os demais,como
quase todas as famílias que aconteceram , que aconteceu isso ai de migrar pra São Paulo
ou qualquer outro local do Brasil, o problema sempre foi esse ai né, muita
dificuldade, no nordeste
todos caiam fora de lá né.
No começo foi muito difícil né, mas no mesmo
ano meus pais já vieram pra cá, meu outro irmão foi
buscar . Eu já estava trabalhando,
ai já tava mais ou menos em condições de cuidar dos velhos né e
continuei trabalhando enquanto eles estavam vivos,
eu, meus irmãos tomávamos conta deles, mas a maioria fazia eu, que era
solteiro, depois casei mas continuei ajudando aos velhos né, ao meus velhos. E a vida nunca foi fácil, teve uma época que
eu já tava mais estabilizado aqui em São Paulo, trabalhava numa firma
boa.
A Ditadura vista de
baixo pra cima
Olha o período da
Ditadura foi de 1964, e eu era solteiro quando começou a Ditadura,
e pra mim não afetou
em nada, nunca fui político, nunca discuti com ninguém
sobre política, e se alguém vinha discutir qualquer
coisa comigo eu sempre fui esperto, via o que acontecia
com os outros por causa da língua, então eu sou esperto
se um cara vinha pra mim dizer qualquer coisa "mas
você vê essa política como é que esta" eu falava pra ele,
não, pra mim está tudo bem, não mexendo comigo, o barco pode correr
solto. Sempre respondia assim pra turma,
mas sei que foi difícil, pra muita gente sei que foi difícil. É mas mais pra aqueles que eram metidos em política,
que vão se meter com problema dos outros, pra essas
pessoas pesou mais.
Eu
via todo dia notícias em jornais, rádios e televisão de gentes e mais gentes sendo presas, morta na ruas, enfim, uma
bagunça danada. E pra mim aquilo lá não cabia a mim, sempre fui
dessa maneira, nunca participei de uma greve,
nunca mesmo. Baderna comigo nunca teve chance, então
pra mim posso dizer, nunca fui perturbado por ninguém.
O
casamento
Fiquei apenas 4 anos solteiro em São Paulo
né. E encontrei a Dona
Salete e logo nos casamos. Um ano só de noivado, já nos casamos. Só pra você ter uma
ideia, quando eu tava com quatro anos
aqui em São Paulo, eu casei e já fui morar na minha casa ne,
não paguei , nunca paguei aluguel.Tive boas chances quando,
quando fui mais novo, em São Paulo tinha outros tipos de vantagens pra gente, hoje
já não tem mais vantagem, que naquele
tempo era, a facilidade era melhor , eu peguei uma época boa né, comprava-se
um terreno fácil, é construir...naquele tempo ninguém tinha o luxo de
construir um casarão.
Por exemplo, eu fui
casar...quando eu casei, eu fui morar num cômodo e cozinha, mas
era meu.(exaltou a voz)Não tinha água, não tinha luz, não tinha
asfalto na rua, também tinha por outro lado suas vantagens, nem muro tinha
a casa, tinha só aquela cerquinha de ripa, um portãozinho lá, entrava
quem queria entrar, mas tava sossegado. A
mulher lavava a roupa, pendurava no varal e ali ficava a noite inteira, ninguém entrava lá pra
mexer em nada né, vai fazer isso hoje
né.
O
Retorno ao nordeste
Não eu fui trabalhar com um negócio , quando eu sai daqui já tinha deixado um negócio pronto, comprado lá
no nordeste, através de ... tinha ido lá a pouco tempo, eu, a mulher e as
crianças, eu já tinha deixado mais ou menos
encaminhado. Depois de poucos meses eu vendi o que
tinha aqui, vendi não, joguei fora né (tom de ironia), o cara quando não pensa, não pensa nas consequências que
vão "vim" depois, meio difícil.
Ai
fiquei lá um ano e meio, o negócio não deu certo, aquelas vantagens que eu tinha ouvido antes, era tudo fachada
né, só pra a turma ir atrás de um ... pegar o meu dinheiro
né, sabia que eu tava mais ou menos bem aqui e alguns
parentes gananciosos você já viu né?!Os próprios parentes
né, os parentes não , um só praticamente né, que os
outros, eu não posso culpar ninguém né. Alias de forma nenhuma, eu não posso
culpar ninguém, o culpado fui eu, caí
na besteira de largar o que tinha aqui e me aventurar lá novamente né. Se
já vim de lá porque não era bom,porque que eu
fui voltar?!
Voltando
para São Paulo
Quando eu
voltei já não foi mais igual a primeira vez, já não tive tanta oportunidade
como tive a primeira vez
que cheguei , cheguei a ter muita facilidade de conseguir
arrumar as coisas, na segunda vez já não
foi assim,
parece que já tinha fechado uma porta. Por exemplo, não
consegui mais ... a primeira vez, eu consegui,
consegui uma boa casa, que eu tinha uma casa até boa, o meu carro, consegui até
mais...assim, viver uma vida de...média
né?
E quando voltei a segunda vez ai já, as coisas não foi assim tão
fácil. Praticamente o que eu ganhei aqui em São Paulo, na primeira etapa, na
segunda no meio do caminho
gastei tudo, foi quando voltei pra lá e voltei quase
sem nada.
Mas
o que marcaria não só a vida do senhor Durval nesse período, mas a de toda a
sua família, no resto de suas vidas, seria um inesperado e trágico
acontecimento, a morte de sua mãe.
Olha minha mãe, é uma coisa que eu não
gosto de comentar sobre a morte dela, não sei
se você já sabe a história.
Minha morreu eu era zelador em um prédio em Moema,
levei ela lá pra casa, que ela andava meio já , noventa anos
já, caducando, como se chama. Ficava um dia
na casa de um filho, um dia no outro. Ela tinha a casinha dela lá, mas não dava mais pra viver sozinha , vivia
na companhia da minha irmã que faleceu também, mas
mesmo assim não tinha mais condições e resolveram , nós resolvemos que ela ficasse
uma semana na casa de um, uma semana na casa
de outro e assim calhou, que infelizmente,
justamente , eu levei ela pra minha casa numa
sexta-feira pra Moema, ela tava ruim
mesmo, não dizia
coisa com coisa, via coisa, via coisas estranhas e no sábado
seguinte, um descuido lá na hora do café, um descuido, ela subiu na área, subiu
no telhado e caiu do prédio
(pausa), uma coisa, muito, muito triste.
São muitos momentos, as vezes pra você
é marcante, pra outras pessoas não é. Um dos
momentos mais marcantes
e que me marcou foi a morte da minha mãe.Foi
um momento dificílimo. Porque além do acontecimento,
eu adorava a minha mãe e ela gostava de mim, e isso
até causava ciúmes nos outros irmãos, porque eu
era o mais novo né, eu era o caçula da família. E de ter acontecido
aquilo e ainda, ouvir da boca de alguém, ouvir de
alguém bem próximo a você dizer assim, que aconteceu porque eu não tomei
conta da "véia". (Silêncio)
E isso foi duro viu.
(mais silêncio) Não há de ser nada não, né. Tudo passa. Agora esse
problema nunca se apagará
da memória não, por isso eu nem gosto de comentar.
DURVAL AURELIANO DA SILVA, NORDESTINO, VIÚVO, PAI DE TRÊS FILHOS,3 NETOS E 1 BISNETO É UM DOS MUITOS BRASILEIROS QUE AJUDARAM A CONSTRUIR ESTE PAÍS.SUA HISTÓRIA É UM TRIBUTO A TODOS QUE COM SEUS SONHOS,ILUSÕES E DESILUSÕES NOS ENSINAM O VALOR DA MUDANÇAS EM NOSSAS VIDAS.